quinta-feira, 29 de abril de 2010

Fim





Ele acendeu um cigarro. A fumaça subiu densa numa profusão enjoativa de nicotina e café. A luz da lua adentrava pela janela de caixilhos e recaia sobre a forma disforme do homem pensativo. Seus olhos oblíquos se estreitaram diante dos trauseuntes que caminhava na rua abaixo. Chegara ao fim daquela vida ínfima e ordinária. Aquele invólucro deteriorado que chamava de "seu corpo" estava em frangalhos. A voz outrora limpa, não passava agora de um gorgolejar gutural, como pedregulho rolando sobre madeira. A boca se abria num esgar fantasmagórico, com dentes amarelados a mastigar o ranço viscoso. Respirar se tornara penoso e seus músculos se atrofiavam, tímidos, se retraindo sobre os ossos.
Não a uma forma bonita de se morrer. Nem menos dolorosa. Na linha tênue entre a vida e a morte o medo o consome. Medo e arrependimento. Não havia medo naquele homem.
Um brilho riscou o escuro seguido de um gorgolejo de sangue em borbolhas. Não há beleza na morte. O véu escuro vai descendo sobre o mundo e tudo deixa de existir. Os sentidos e sentimentos vão lhe escapando como água. Depois tudo não passa de um vagar no vazio infinito da mente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário