De trapos eram seus materiais assim como suas roupas. Sentada numa cadeira de carvalho velho sob uma janela suja de caixilhos ela tecia suas bonecas de pano, seu único passatempo e tudo o que ainda a mantinha lúcida.
As crianças da cidade perpetuavam a sua lenda de maligna aos sussurros pelos becos escuros. Todos tinham medo de se aproximar da velha casa na alameda escura. Nunca a viam, as vezes um relance na janela manchada, mas ela sempre se mantinha oculta na sua moradia antiga e cavernosa. O desafio da meninada sempre foi adentrar a alameda, entrar pelo velho portão de ferro e ouví-la cantarolar. Para o sincero julgamento das crianças era um canto bonito, que atraia. Um murmúrio carinhoso que acalmava as almas infantis e punha-as para dormir com doce encanto.
Certa vez, um garoto disse ter adentrado pela porta e subido as escadas de madeira rangenta. Disse ele que ela estava num quarto empoeirado de assoalho gasto e cantarolava sobre uma cadeira de balanços. Na mão ela tecia uma bonequinha de pano, manobrando com destreza as agulhas de tricô. Como uma pobre criança ele não soube explicar, mas ela vestia roupas antigas, muito antigas, de camponesa. Seu rosto estava virado para a janela, entertido com a boneca. Na parede haviam inúmeras prateleiras com bonecas das mais variadas formas, todas cravadas de alfinetes e desmembradas. Na hora, sentiu um vento gélido arrepiar-lhe a nuca e sentiu vontade de sair dali, porém seus pés não se moviam. O cantarolar da velha ficou mais alto e carinhoso, ela se levantou e se virou para ele lentamente. O garoto sentiu medo e tentou escapulir, mas não podia se mover. Então ele fitou-a nos olhos, mas não haviam olhos, nem nariz, nem orelhas, apenas uma boca horrenda que se escancarava com dentes amarelados e cheios de limo. De dentro dessa boca saiu um grito estridente e nenhuma voz ou canção qualquer, apenas o grito. Ela deslizou até ele ainda gritando com as mãos a frente em formas de garras. O garoto tentou esquivar e ginchou feito um porco, mas então ela o arrematou e depois foi apenas escuridão.
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