sábado, 29 de maio de 2010

Ponto de ônibus


- Amor?- diz ela com ternura na voz.
- Oi?- pergunta ele, displicente.
- Você me ama?
- Claro que te amo, por Deus, por que você está perguntando isso?- pergunta com surpresa.
- Ah, porque não parece- diz ela com chateação na voz.
- Lá vem você. Começou.
Ela olha pro chão.
- É que parece.
- Amor, pode parar com essa besteira. Te amo muito, mais que ontem, menos que amanhã.
Ela fica em silêncio, pensativa. Ele puxa seu rosto com a mão, a beija nos lábios, mas o beijo dela é frio. "Enrascada" pensa ele.
- Olha, pode parar com isso, eu te amo. Para com essas ideias.
- Não é ideias, é verdade, você nem me ama mais como antes. Você ama a outra.
- Outra?! Que outra.
- Aquela.
- Qual?
- Aquela que você sabe qual.
- Ah tah.- diz ele incrédulo- vai começar a falar dela de novo?
- Vou! Eu sei que você gosta dela, você ainda a ama, ela é sua cara metade.
- Dá pra parar? Eu amo você, não quero saber de outra. Você é meu amor!!!
- Sou?!
- É!! Minha linda.
- =)
- Te amo.
- Eu também te amo muitão amor!
...
- Amor?- diz ela.
- Oi?
- Quando a gente vai se ver de novo???

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sempre ao seu lado


Eu estou nessa cama gelada de metal e não sei o que dizer. Eu sinto dor, mas isso não importa, você está aqui ao meu lado. Eu sinto também muito medo, mas eu confio em você, afinal, você está aqui do meu lado.

Por um momento eu fecho os olhos e me lembro de tudo aquilo que vivemos. Tudo o que vivi ao seu lado. Todas as brincadeiras, as noites de frio em que dormi com você debaixo da coberta, nos dias de chuva em que corremos na rua e das brigas que fugimos. Das noites em que dormi no celeiro, das nossas incursões pela floresta, do cheiro dos pinheiros, do vento tocando meu corpo. Da lua.

Você então se aproxima e toca meu pêlo delicadamente, vejo uma lágrima correr no seu olho. Não sei porque está chorando, embora eu esteja me sentindo mal e estranho, tudo vai ficar bem. Eu tenho certeza de que tudo vai ficar bem.

Surge na porta um homem de rosto sério, usando um paletó branco e alguns objetos na mão, você não o vê, esta de costas para ele, me acariciando, chorando sobre meu corpo. Ele pigarreia e você se vira. Então ele fala demoradamente, fitando-o direto nos olhos.

- Senhor, está na hora.

Eu sinto sua mão tremer sobre minha pele e então apertar meu pêlo, como se quisesse agarrá-lo. Você olha para mim mais uma vez, seus olhos estão cheios de lágrimas.

Fico confuso.

Você aproxima seu rosto bem perto do meu a ponto de tocar e então me abraça, me abraça forte, sem se importa com a dor que sinto nas juntas. Sinto seu corpo tremer violentamente, desesperado, não querendo me soltar.

Pela primeira vez sinto medo. Não medo do que vai acontecer, mas pelo modo como você está agindo.

- Adeus meu amigo- diz você- me desculpa.

Então você se cala. Ou melhor, algo em sua garganta te cala.

O home de jaleco branco se aproxima com uma agulha na mão, ele olha para mim com piedade no olhar. Toca meu corpo delicadamente e penetra agulha em mim. Passa um tempo, sinto a dor ir embora. As ideias e as lembranças vão me escapando como água, não posso segurá-las aqui perto de mim. Tento chamar você. Sinto medo. Não se afaste de mim. Tudo vai ficando escuro, não ouço mais nada, a visão vai escurecendo. Não tem mais dor, nem som, nem frio, nem nada.

Então tudo fica escuro, minha última lembrança foi seu rosto, seu toque, sua voz. Não tem mais medo, nem dor, nem sofrimento.

Agora onde estou, eu posso vigiá-lo. Você não me sente, não me vê, não me percebe. Mas eu estou aqui, seja no vento ou nas árvores.

Eu estou aqui...

Sempre que ouvir um latido na floresta ou em algum lugar e não souber de onde veio, serei eu, na minha mais expressiva presença, te chamando pra brincar.

Eu sempre estarei aqui...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Anjo triste


Existe um anjo que chora.

Ele chora feito os anjos dos vitrais.

Ele é o único anjo que chora. Ele chora solitariamente e copiosamente. Seu olhar é vazio. Sem vida. Triste.

Esse anjo sempre chorou, por dentro e por fora. Esse anjo não tinha nome, nem identidade, nem cor. Passavam por ele, notavam sua tristeza e lastimavam sua beleza tão divina em profunda solidão.

O anjo não se movia, não falava, não ria. Só chorava...

Suas asas, por não bater, cairam.

Seus olhos viraram vidro que só faziam jorrar lágrimas.

Sua pele, sem movimento, virou pedra.

O anjo fora esquecido. Não olhavam mais para ele, não reconheciam sua dor e nem suas lágrimas.

O anjo nunca parou de chorar. O anjo nunca curou sua angústia infinita.

O anjo fora humano.

O anjo conheceu a dor e a tristeza dos homens. Ele viverá na pele tudo aquilo que o homem viveu. Então chorava. Chorava por os que aqui embaixo também sofriam, chorava pelas perdas, pela falta de felicidade, pela falta de amor.

O anjo fora humano... O anjo ainda era um humano.

O anjo nunca parou de chorar.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Remetente: Eu


Ah, não joguem para cima de mim esse mundo hipócrita e sujo. Não quero ver mais nenhum de vocês que se ausentam virem com seus sorrisos largos e sujos me pedirem ajuda pra suas necessidades inúteis! Não peçam minha mão, porque eu não estenderei. Aos que me criticaram, aos que me esnobaram, aos que não me viram de fato. Eu não hei de vê-los, viro-me para o mundo, já que me assim foi feito!

Deixem este homem em paz!

De fato, gosto de escrever lá minhas loucuras, minhas melancolias, meus temores, as dores mais sentidas e pertubadoras do mundo.

"Inclino-me a escrever melancolias de modo que veja o ser que grita sem voz dentro de mim. Toma-me por fim como um anjo de asas negras, como um corvo carniceiro e sombrio que grasna do alto de uma cruz."

Humanos! Sempre senti um asco por essa espécie. O único animal que pensa que não é um animal. Sente-se a vontade para esclarecer os fatos e dizer no alto de sua sabedoria "Somos os únicos animais racionais".

...Diga-me: Onde existe racionalidade em nós?

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sertanejo pobre


Ele abaixou a cabeça mais uma vez e chorou. Triste, sozinho e com fome.

Ele permanecia ali como uma estátua, tudo ao seu redor se alterava, se movia, evoluia. Menos ele.

O sol foi se pondo lentamente, sem esperar por ninguém. Veio então as luzes alaranjada dos postes e com elas vieram os arruaceiros, os drogados e as prostitutas. Ele permaneceu ali.

A terra prometida não fora como ele sonhara.

Ninguém disse isso a José quando ele ainda estava no seu agreste capinando a roça seca.

Por fome dos filhos, arrumou suas trouxas e pôs o pé na estrada. Sem saber o que iria encontrar, sozinho, com saudade, cheio de dor.

Chegou a cidade das oportunidades. Não haviam oportunidades. Nem dinheiro. Nem comida. Nem volta. Encontrou de consolação a sarjeta, ela, que não cobra taxa, nem juros, nem forma de pagamento alguma.

Deitou-se então no chão frio da calçada, sem coberta, sem comida, sem travesseiro. Pôs-se então a chorar. Chorou a saudade dos filhos, da mulher, do pai e da mãe. Chorou saudades da sua terra e pediu a Deus para voltar. Implorou com todas as suas forças que queria voltar a sua desolada terra e que de lá nunca mais iria sair.

Sentia frio. Fome. Saudade. Tristeza.





José não amanheceu vivo aquela manhã. Por fome, frio ou saudade. Foi enterrado como indigente.

Sua família nunca mais recebeu notícias suas. Passaram fome, frio, tristeza, saudades do pai.




Trecho do Auto da Compadecida (Nossa Senhora falando)


" João foi um pobre como nós, meu filho, e teve que suportar as maiores dificuldades numa terra seca e pobre como a nossa. Pelejou pela vida desde menino, passou sem sentir pela infância, acostumou-se a pouco pão e muito suor.

Na seca, comia macambeira, bebia o suco do xique-xique, passava fome.

E quando não podia mais rezava. E quando a reza não dava jeito, ia se juntar a um grupo de retirantes que ia tentar sobreviver no litoral.

Humilhado...

Derrotado...

Cheio de saudade...

E logo que tinha notícias da chuva, pegava o caminho de volta, animava-se de novo, como se a esperança fosse uma planta que crescesse na chuva. E quando revia sua terra dava graças a Deus por ser um sertanejo pobre, mas corajoso e cheio de fé."

sábado, 15 de maio de 2010

Libertas


Chegará a hora em que meu espírito pedirá os céus e eu, num ato de coragem, me lançarei no mais alto dos penhascos, com asas abertas. Então eu vou planar em círculos tranquilos sobre as planícies verdejantes, sobre as imponentes montanhas e sobre os revoltos rios com corredeiras. Meu espírito pedirá para ser livre, livre para vagar sobre qualquer chão desta terra. Meus pés pedirão o pó deste solo. Meus olhos chorarão as mais belas paisagens. Minhas mãos irão tocar cada rocha deste planeta.

Riscarei os céus como um cometa flamejante.

Eu sou o que eu quero ser. Eu posso ser aquilo tudo que pretendo.

Quando eu me ausentar daqui, saiba que por um momento eu corro com os cavalos na planície.

Eu estarei voando com as águias sobre as montanhas.

Eu estarei caçando com os coiotes da floresta.

Chama-me de louco. Chama-me de indiscreto. Chama-me de alucinado. Eu sou o que sou, seja onde for.

Não me agrada o mundo frio do homem. Não me agrada a vida monótona. Não me agrada a mente humana.

Sou dado a aventuras físicas e mentais. Quero percorrer sempre com mais velocidade os desconhecidos caminhos do mundo e da mente. Quero dominar cérebro e terra. Quero poder tocar com as mãos os quatro ventos do mundo. Quero conhecer cada detalhe do conhecimento profundo reservado apenas ao homem. Eu quero tudo! Minha ganância irrefreável torna mais belo o meu ser. Eu posso. Eu quero. Eu sou.

Há um leão dentro de cada um de nós que ruje e que urra para ser ouvido. Ele arranha as grades da sua mente com suas poderosas garras. Deixe-o sair!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vida rouba vidas



Um suicida sempre deixa como seu último ato, um escrito. É a forma mais triste de se transmitir a alguém o que sente. O suicida faz isso.


Os suicidas estão sozinhos, sofrendo solitários, desamparados. É na morte em que encontram o último modo para que todos se sintam obrigados a olhar para eles, que prestem atenção no seu sofrimento, que sintam ao menos alguma dor de não tê-lo por ali. A grande maioria dos suicidas não se matam para acabar com a dor e sim, bem no fundo, para que possam gritar: "Ei eu estou aqui, ainda penso em você, mas você já não pensa em mim e tudo isso tem acabado comigo!"


Como li num trecho de um livro de Machado de Assis, algo mais ou menos assim: "Há um ato comum entre os suicidas, que é o hábito de deixar algo escrito...".


Existe algo sádico nos que praticam tal ato, se tornam tão melancólicos a ponto de virarem maus. Sentem uma certa alegria em poder ver o futuro. Ver todos que um dia lhe deram as costas chorarem sobre seu caixão. Quer impôr todo seu sofrimento interno nas pessoas, fazê-las sentir um pouco de sua dor.


Reprimido, calado, incompreendido, excluído, apagado. O suicida sente que na morte, de algum modo, pode introduzir um pouco de sua dor em outros e nas suas trêmulas cartas encharcar o coração dos sofridos com um pouco mais de angústia e sofrimento. Não lhe basta sua própria dor incontida, há a necessidade de dissipá-la no coração de todos. Mesmo no coração dos seus amados.


Não se termina uma carta suicida com "Vivam bem, felicidades, sejam felizes".


Termina-se com "Em algum lugar estarei vivendo... Estarei bem... Parei de sofrer... Amo vocês."






Eu, particularmente, não deixaria carta. Talvez deixasse. Mas não permitiria que meu corpo fosse encontrado por alguém que amo. Morreria como uma ave: isolado, sozinho. Encontrariam minha carta algum tempo depois, nalgum lugar. Triste, melancólica, desesperada.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quantas saudades eu senti...



A eles...


... que não se deixam corromper.


... que não se deixam magoar.


... que não se deixam trair.


... que não se deixam abalar.



A eles, lindas criaturas que vieram ensinar ao homem uma lição que ele teima em não aprender. A eles e a todos os bichos, que desconhecem os pecados mundanos reservados apenas ao homem.



Olhos puros. Olhos sem maldade. Olhos sem pecado. Olhos sem vaidade.



Agora, eu, Luigi, vos confesso:


Sinto saudades dos meus dois únicos cães, companheiros e irmãos que tive em minha vida.


Sou capaz de chorar ao me lembrar de cada um deles.


Criaturas capazes de dar a própria vida pela minha. Que me amaram incondicionalmente, mesmo quando eu os deixava de lado por outra coisa. Que me recebiam com seu sorriso no olhar. Com seus saltos e giros felizes. Sempre prontos a me receber. Que poderiam ficar ao meu lado o resto de suas vidas, pois já lhes bastava viver perto de mim.


A vocês, Irã e Killer, eternos amigos. Bons amigos.


A você Irã, que foi mais como um cão-pai. Cresceu comigo e até ajudou meu pai a nos educar, eu e meus irmãos. A você, belo Fila Brasileiro, majestoso, de sangue puro e campeão. A você que eu tenho certeza que está em algum lugar. Que ainda vive!


A você Killer, meu pequenino irmão. Tão travesso! Você que eu tanto amei e não demonstrei. Eu por muitas vezes me esquecia de você. Fui para longe. Foi cruel o modo como se foi e eu me sinto mal por não ter aplacado seu sofrimento e sua dor. Esta será uma dor jamais curada em mim.


Não há vivalma nesse mundo como vocês.



Ah como eu sinto saudades dos seus olhares. Do seus cheiros. Do pêlo macio, do latido.



Eternamente em nossos corações.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O chamado selvagem


Não importa o que eu faça, onde eu chegue, como eu esteja. Antes que se chegue o fim eu terei percorrido muito chão, vivido muitas aventuras, contemplado muitas paisagens.

Influenciado por muitos, eu quero caminhar até o norte, no limiar da aventura, em deslumbrantes locais com perigos e belezas.

Parece-me que todo o meu objetivo de vida se encontra escondido na montanha mais obscura, esperando sempre que eu avance mais, sempre pro maior topo, sempre pro maior perigo, me chamando pra provação final. Uma última provação nunca imaginada e como resultado a satisfação plena e completa da vida. Então por ali mesmo eu relaxarei, erguerei meu belo e confortável chalé e por ali mesmo vou viver. Sairei na varanda e verei as montanhas e a lua, majestosa subindo aos céus, tímida. As montanhas serão gigantes guardando minha moradia. Subirá fumaça pela chaminé e então virão todos os animais comer de minha mão. Ursos, lobos, alces, esquilos e caribus.

Sempre haverá fogo na lareira, frio na soleira e neve na madeira. Estantes recheadas de livros de aventura, uma caneca de café quente e rede para leitura.

Meu espírito é das árvores, dos bichos.

Minha alma corre junto com os lobos.


Luigi Rajão

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Interior do Alasca


Eu gostaria de adquirir a simplicidade, os sentimentos nativos e as virtudes da vida selvagem; despojar-me dos hábitos artificiais, preconceitos e imperfeições da civilização; (...) e encontrar, em meio à solidão e grandeza do Oeste selvagem, visões mais corretas da natureza humana e dos verdadeiros interesses do homem. A estação das neves seria a preferida, para que eu pudesse experimentar o prazer do sofrimento e a novidade do perigo.


Estwick Evans

terça-feira, 4 de maio de 2010

Saudades do meu irmão


"Saudades do meu irmão".

O pequeno garoto dizia para a mãe.

Uma lágrima escorria no rosto da mulher com o filho no colo. Não havia como responder a pequena criança que seu pequenino irmão se fora para sempre. Arrancado da vida de todos drasticamente, deixando uma buraco negro e profundo no coração de todos.

O garotinho ainda chorava a partida inexplicável do irmão. "E agora, com quem brincar? Quando ele vai voltar? Por quê ele não avisou que estava indo?"

"Pede pra Papai do céu cuidar do seu irmão, filho, pede.". Ele não entendia porque sua mãe falava aquilo, afinal, porque Papai do céu tinha que cuidar de alguém que tinha viajado por alguns dias?

Um dia, sua mãe chorando lhe disse: "Meu filho, seu irmão agora está com Papai do céu, olhando pra você, ele sempre vai te proteger, sempre estará ao seu lado. Agora ele é um anjo que está lá no céu.". Ele entendeu, era criança, mas a realidade se abateu sobre ele. Nunca mais veria o irmão que tanto amava. O irmão que sempre estava ao seu lado. O seu melhor amigo.

O quarto era mais escuro agora, mais frio, mais solitário. As roupas do irmão ainda estavam no guarda-roupa, os brinquedos na estante esperando que alguém os tocasse.

Ele nunca voltaria. Seu irmão se fora. Seu amigo.

"Saudades do meu irmão"- dizia ele todo dia.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Abandonado


Sentia ele que chegavam seus últimos momentos. Olhou ao redor com tristeza, pensando onde fora deixado, depois de tanto carinho doado, tanto esforço para com os seus. Era um triste fim a se chegar, justamente ele, homem honesto, bom pai, bom avô. Levantou-se com dificuldade, os ossos estalaram, avisando, cobrando o peso da idade. Nada mais funcionava como antes.

Certa noite, com a desculpa de que ficaria ali por alguns tempos até que voltassem de uma viagem, foi enganado e por ali ficou, anos e anos. Quase nunca o visitavam, quase nunca ligavam para saber como ele se encontrava. Não que não gostasse daquele local. Nada disso! Fizera muitos amigos por lá, ótimas pessoas. Mas ali era um lugar triste, com ar de abandono, onde residiam abandonados como ele.

Encaminhou-se para a cama, lentamente, desejando intensamente que aquele fosse seu último dia. Não culpava seus filhos, eles que vivessem a vida deles, mas ele não suportava mais a sua própria solidão na qual fora confinado. Sentiu que chegara sua hora e aceitou de bom grado o término. Tudo que nasce chega um dia ao fim. É o cliclo natural da vida, assim determinado, só resta aceitar.

Deitou lentamente, puxou as cobertas para si e ficou fitando a janela com seus olhos tristes. Olhos melancólicos. Piscou tristemente suportando a dor. Saberia que iria embora em instantes, pressentia isso. Lentamente as dores do corpo foram diminuindo, tudo se tornou sereno, calmo. Sentia-se como criança novamente. Não sentiu medo, apenas alívio, uma estranha felicidade. Um descanso.

Um véu negro e suave foi descendo sobre sua vista. Antes que tudo se apagasse o velinho respirou fundo e emitiu seu último dizer, como um grito do corpo que uniu as últimas forças para falar: Perdoai-me pelo que fiz, ao qual me condenou a esse triste fim. Perdoai-me.

Assim ele se foi, num repouso sereno e melancólico. Descansou.